Por vezes descubro nuvens dentro de mim. Estou descansadinha a trabalhar ou a ir para casa quando, de repente e de forma bastante inesperada, lá encontro uma delas, escondida como uma aranha, atrás dos caixotes do meu pensamento frenético, nas arrecadações do meu córtex cerebral. É diferente dos outros fenómenos meteorológicos da minha cabeça. (Seria preciso todo um Instituto do Mar e da Atmosfera só para mim.) Não é como o sol do costume, nem como a trovoada que me faz saltar da cadeira de vez em quando. Também não é uma nuvem fofa, como as que vemos em dias de claridade e que nos parecem ser feitas de algodão doce. É cinzenta e densa, como se antecipasse chuva. E parece algo assustada.
Quando uma nuvem se esconde dentro de mim, adivinho-a, de uma forma algo estranha. Pressinto-a, como se acusasse o peso extra e sou eu própria, no meu íntimo a puxá-la para a superfície devagarinho. A resgatá-la da submersão dos mares da minha inconsciência, rumo ao meu papel.
Sinto-a espreitar desde manhã e deixo-a subir. Desfio-a aos bocadinhos, disseco-a, desfaço-a como quem desmonta um computador na esperança de chegar a compreender como funciona. Ou seja, sem grande sucesso.
Todo o processo é-me já muito familiar. Conformei-me com o falhanço crónico a que está condenada toda e qualquer tentativa da minha parte de trazer para o domínio do concreto os meus arranques de melancolia. Suspeito que sejam de natureza hereditária. Mas não gosto nada desta forma de apresentação. Não tolero esta tentativa ignóbil do sentimento de permanecer escondido.
A minha melancolia, como um vírus, possui uma história natural que lhe permite permanecer em mim dormente, latente, inativa, durante longos períodos de tempo. Mas presente. Cobarde escondida por trás do meu carácter por natureza optimista ou da minha agenda, por destino, sobrelotada. De maneira que aos primeiros sinais (e sintomas), insisto em que a parasita se revele.
Daí que o caderno vá comigo para todo o lado. Como a minha própria e infinitamente menos tenebrosa forma de autoexorcismo. A minha própria botija de oxigénio. A minha própria cirurgia exploratória. Poderão existir queixas álgicas após o procedimento mas este pode, também, e com sorte, trazer o sol de volta.