top of page

Não é possível aceder a esta página. Por favor, tente mais tarde.


Surpreendentemente, a sintomática patognomónica e tenebrosamente previsível que compõe o clássico síndrome de abstinência aflige-me com ligeireza, qual quadro gripal subfebril, meio latente.


De certa forma é compreensível, considerando que renunciei ao ópio contemporâneo há não mais de 19 horas. Temo, no entanto, que nos próximos dias, a irredutibilidade da minha condição de dependente se venha a evidenciar.


Mas, primeiro, a explicação que se impõe. Há cerca de talvez um ano, a minha mãe decidiu comprar-me uma revista ATIVA. Aliás, duas. A revista celebrava os seus 25 anos e oferecia um exemplar extra a cada compra, do qual desconheço a utilidade. Apesar de que na altura me confessava fã incondicional da minha pocket-sized Elle (hoje vejo que estive já mais longe de cruzar para o lado oposto, entenda-se, o da Vogue), reconheço que a minha reação foi de entusiasmo, a mesma que tenho sempre, perante qualquer pedaço de papel novo, por abrir e acima de tudo, por ler. Não pude evitar a piada francamente detestável que atravessou a minha mente: a edição da “hiperATIVA” estaria certamente esgotada o que era uma lástima já que se adequava perfeitamente a mim.


Confesso que foi uma experiência algo desapontante, por motivos que escuso esclarecer. As revistas femininas caracterizam-se pela heterogeneidade porque todas temos necessidades diferentes quanto aos pedaços de papel que utilizamos como referência no dia-a-dia, que reforçam em nós os códigos invisíveis (e os preconceitos; as revistas femininas nem sempre são feministas) através dos quais nos explicamos ao mundo. Prefiro não seguir nessa direção. A temática em si comportaria a delicadeza de um assunto de estado.


Não obstante a minha desilusão, conservo ainda duas páginas dessa revista. Os seus incipientes 25 anos inspiraram a redação a compilar a clássica lista de marcos de passagem alegadamente obrigatória antes que se alcance essa idade.


Diverte-me imenso o conceito. E a imagem que ele me desperta. A imagem de uma qualquer jornalista, sentada a uma secretária, atrás de um computador -munida com um café de tamanho industrial (superado apenas pelo tamanho das olheiras) - com frustrações individuais não raras vezes superiores às dos seus leitores, arrastando penosamente os dedos pelas teclas para juntar letrinhas, quais mandamentos sagrados, acerca do que é expectável ter-se alcançado a uma dada idade.


Assim que devo confessar, de antemão, que reconheço a puerilidade de destacar cuidadosamente a lista e de a utilizar até agora, lá está, como referência constitucional. Qual adolescente entusiasmada, assinalei imediatamente todos os itens que já tinha cumprido. Até que, de súbito, fiquei suspensa ante um deles. Olhámo-nos mutuamente, demoradamente. Eu e a frase, ela como se eu tivesse o distintíssimo porte de uma formiga; eu, como se contemplasse o Evereste… desde a base. Nunca outras cinco palavras me olharam de forma semelhante, tão despeitosas, tão insolentes.


“Ficar offline durante um mês.” Um mês?! Parecia-me tão impossível naquele momento como agora. Impossível, impraticável, imprudente… e acima de tudo… inecessário. Qual seria o evento pré-apocalíptico capaz de provocar tamanho desejo psiquiátrico de isolamento? Deixei finalmente a frase, incólume, na certeza de que nunca a cumpriria. Que a minha jornada para a vida adulta ficaria assim, dramática e irremediavelmente truncada para sempre. É claro que neste ponto do meu monólogo interior, Deus acaba de cair da sua cadeira alada, contorcido pelo riso. A vida tem o dom, de um modo especial, de se cruzar com as coisas que consideramos, à partida, que não conseguimos fazer.


O meu motivo chegou ontem. Há já várias semanas procurei encontrar alguns dias de descanso por dentro do meu horário megalómano. Esses dias tinham, supostamente, chegado também ontem. Supostamente. Como procrastinadora da minha procrastinação por excelência, acordei em vão, comigo mesma, que enviaria aqueles emails até ao meio dia e “depois, férias”. Conclui as minhas tarefas por volta das 22h, sentindo-me, como costuma ser habitual após uma maratona de trabalho, desmotivada, saturada e feíssima, por fora e por dentro.


A automática atualização pós-laboral do feed facebookiano levou-me à mesma avalanche de conteúdos entre o moderadamente relevantes e o francamente deprimentes. É cada vez mais difícil identificar os resultados do meu esforço continuado para que existam mais dos primeiros e menos dos segundos. Quanto a não chocar de modo grosseiro com as selfies aparentemente felizes acompanhadas das citaçõezinhas (em todos os sentidos) pseudofilosóficas – que depreciam mais do que elogiam os seus reprodutores – é lamentavelmente impossível.


Voltou a acontecer ontem à noite. A demonstração exuberante de felicidade e erudição vinda de pessoas que sei não serem assim tão felizes e nas quais não conheci erudição que não proviesse da Wikipedia. E de novo na minha mente, todos aqueles estudos sobre a negatividade que se apodera de quem consulta as redes sociais.


Raras são as vezes em que alcanço ver com claridade qual o passo metafórico que devo dar de seguida. Mas ontem, rapidamente compreendi que as minhas tão almejadas férias teriam de incluir um log out prolongado. Não, não vou estar offline durante um mês. Esse projeto permanece, para mim e ao dia de hoje, impossível, impraticável e imprudente, tal como suspeito que o seja para a autora da lista. Mas nos próximos 4 dias, parece-me necessário.


Deixo de escrever por um momento, indecisa quanto ao balanço que faço, até ao momento, da minha microexperiência social. Apesar de admitir alguma curiosidade, não deixo de pensar nas evidências que esta renúncia deixou a descoberto, em tão pouco tempo. Em apenas algumas horas, li, passeei, fiz exercício e escrevi. Como o poderia ter feito em qualquer outro dia de férias sem esta autoprivação. Mas sinto que o fiz por inteiro. Esta ligação wifi, que é hoje indiscutivelmente fundamental para que tenhamos acesso pleno a todas as vertentes e oportunidades do nosso mundo, acaba por entrar em conflito, pelo menos no meu caso, com a ligação a tudo o resto, tão mais primário, vital e imprescindível.


Próxima resolução da rentrée: introduzir um horário específico para consultar as redes sociais. E tentar existir neste século de avatares melhorados sem a presença constante do meu, anestesiando cada momento da minha existência concreta. Daqui a 3 dias terei mais um item para assinalar na minha lista. Estarei certamente a fazer batota mas confio que as próximas 72h se irão assemelhar-me como toda uma era do calendário Maia.

bottom of page