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Quebra-Nozes | 1# Dormir sem máscara

  • thenutsbook
  • 23 de mai. de 2020
  • 2 min de leitura

Mais do que o desconfinamento próprio, as últimas semanas trouxeram até mim as maravilhas do desconfinamento alheio. Ver Lisboa encher-se de gente foi como abrir uma torneira sobre um deserto. Glória bendita de pessoas a fazer coisas mundanas, temporariamente renovadas pela camada de verniz que dura o que durarem promessas feitas a quente sobre valorizar o que tomamos por certo.


Começámos a misturar-nos (palavra maravilhosa). E, ao fim de tanto tempo, lá acabei por empatizar com o que sofre o cidadão comum (entenda-se, não profissional de saúde) com a utilização da máscara. É que no meu caso, a adaptação consistiu apenas em estender ao dia-a-dia um gesto que já era frequente no local de trabalho. Mas depois de ver máscaras pendentes de retrovisores de táxis ou presas em braços como braceletes de jogging, passei da estranheza à compreensão de quem se detém em plena rua, a cada 5 minutos, para puxar a coisa para baixo e deixar o narizinho inalar um bocadinho de ar por filtrar. A verdade é que também já fui caloira. Já pus uma máscara pela primeira vez. Já me habituei ao calor, aos óculos embaciados... e abracei-os como ossos do melhor ofício do mundo. Mas para o resto da população... digamos que o pacote que subscreveram para 2020 não incluía este extra. E isso dá direito a um pequeníssimo desconto.


Isto é válido em mais do que um sentido. Também acabam por poder abdicar mais vezes da máscara metafórica e sentirem seja o que for a céu aberto, entre a frustração acumulada e a esperança no futuro. Pessoalmente, tento não me permitir nem demasiada dúvida, nem esperança que vá muito além do batom vermelho que vou continuando a pôr, ainda sabendo que, por causa do novo acessório, se irá esborratar até à exaustão de emular o Batatinha. Saio de casa com duas máscaras, a de fora e a de dentro. De tal maneira que, há umas noites atrás, ainda demorei uns 15 minutos a notar que me tinha deitado com uma cirúrgica colocada. Talvez precisemos todos de algum tempo de ajuste. Mas, seja como for, estamos mais perto. E isso merece um batom vermelho. Por fora.

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