#Os Sapatos
onde vais? aonde vais parar? cabecinha louca, rabo inquieto, senta-te no chão e permanece, nem que seja por um bocado detem-te, que não ganhas, nem para coração, nem para sapatos. Mr. Kilombo, Cabecita Loca Olá. Haverá o dia em que escreva uma carta inteira sobre aquela sagrada - literalmente - citação de Sto. Agostinho, que dizia que quem canta reza duas vezes. Mas hoje, começo por vos trazer apenas esta oração em particular. Uma que rezava para mim desde os tempos em que não ganhava coisa nenhuma. E agora que ganho, não me sobra um minuto nem para comprar os malditos sapatos de que fala a canção. Mas estou a tentar. E esta primeira epístola é prova disso. Estamos todos: no outro dia - na verdade, podia ter sido em qualquer uma das últimas semanas - tive de correr para chegar ao comboio, no último segundo antes do fecho. E não fui a única. Ao meu lado, um corpo igualmente ofegante pisava com estrondo e alívio a partes iguais, a carruagem do suburbano. Instintivamente, dirigi o olhar para a fonte sonora. Encontrei um sapato igual aos meus. Naquela manhã, duas raparigas pisaram o mesmo comboio exatamente ao mesmo tempo, calçadas com pares de sapatos iguais. E essa mera coincidência - será que elas existem - relembrou-me que somos todos a mesma coisa. Ou coisas muito parecidas, pelo menos. E que nunca sabemos se os carris de quem viaja ao nosso lado percorrem caminhos mais ou menos atribulados que o nosso. Quanto à minha demanda pela paz interior - edulcorada como possa soar - passará por aqui, certamente. Mas se existe pelo menos mais uma pessoa a correr na mesma direção e com o mesmo estado de aflição que eu, então se calhar não há problema se eu me atrasar um bocadinho. Fazer um desvio. E entrar na sapataria.
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