Apanhou-me desprevenida. Apanham-me sempre, os malandros. Os familiares dos doentes. Logo de manhã, indicador universal de quem tem o despertador "ansiedade" ligado contra todas as forças e nem sempre compreende que apesar da sua pessoa ter entrado pela Urgência há 12h atrás, provavelmente só chegou a mim há 10 minutos. Àquela hora, sei quase tão pouco como quem me liga. Sei o que procuro saber assim que chego, como fazemos todos. Se aqueles que lá deixámos ontem ainda estão e se estão estáveis o suficiente para podermos começar a rotina do trabalho diário. Naquele dia, não foi bem assim. O meu doente instável viria a deixar de estar 5h depois mas isso não me impediu de passar a manhã à volta dele. Confesso que ainda não encontrei bem a linha de que toda a gente fala mas nesse dia vislumbrei-a por um bocadinho.
Felizmente, esse doente não era a mãe de 94 anos desta vozinha ansiosa que bombardeava perguntas ao telefone. A dela estava mesmo estável e foi isso que lhe disse. Horas mais tarde, quando a confusão permitiu que começasse a tratar dos restantes, foi a minha vez de telefonar àquela filha para a bombardear com perguntas cujas respostas permitiam completar a história. No final, pediu-me que recuperássemos o espólio, para que a senhora pudesse ter acesso ao telefone. Disse que sim, mas que até lá lhe passava já o meu telemóvel, do qual estava a telefonar. Aquela primeira chamada de reconhecimento é muito importante. Aquela do "ainda estou aqui".
- Filha?! Oh filha, estou bem, estou bem! Estou onde devia estar. Estou naquele onde já estive da outra vez! Mas as pessoas são incansáveis, muito atentas. Mas estou bem, não estejais em cuidados por minha causa! Já pedi para me trazerem o telefone. Vá, filha, adeus!
(faz ademão em como me vai devolver o telefone mas detém o gesto de repente e volta a levá-lo à orelha)
- E filha! Almoçai bem, está bem? Aqui come-se muito bem.
Não sou a cozinheira mas isto soube melhor que uma estrela Michelin.
コメント