Ansiedades e Ansiolíticos 02/03/2025
- thenutsbook
- 2 de mar.
- 4 min de leitura
- O afeto dos senhores. Gosto de pensar que vivo num tempo em que os homens podem emocionar-se sem serem menos por isso. No funeral de Pinto da Costa, um lacrimejante Valentim Loureiro lia a última mensagem que escrevera ao seu velho amigo. Começava com "Caro Jorge,". Já nenhum amigo próximo se dirige a outro com semelhante formalidades, destinadas a dissimular o afeto. Mas ao mesmo tempo, ninguém na época destes senhores faria pouco de uma invisual ou simularia o sinal dos corninhos no Parlamento. Proponho um protocolo intermédio. O amor tem de continuar a sair do armário mas a falta de vergonha precisa de voltar urgentemente lá para dentro.
- Os boletins sobre a saúde do Papa. Duplo sofrimento para os médicos católicos, entre a preocupação pela situação clínica e a perplexidade pelas patacoadas de rigor científico risível que se vão ouvindo nos meios de comunicação. Por entre a tensão, escapa a notícia de que ao terceiro dia de internamento, numa destas melhorias transitórias que teve, o Papa retomou os seus telefonemas diários para a Paróquia de Gaza. O Vigário de Cristo, todo roto, a preocupar-se com os que vão todos nus.
- Uma lei que não presta. A chamada lei do "sim é sim", supostamente destinada a alargar a proteção das mulheres vítimas de violência sexual em Espanha, já facilitou, desde a sua aprovação, 1200 reduções de pena a agressores condenados. Esta semana, a redução foi para a autodenominada "Manada", o grupo de violadores responsável pelo crime que inspirou esta lei. A conclusão é sempre a mesma. Ironicamente, ser mulher não é missão para gente sem tomates.
- Por falar em tomates, Macron. Bem sei que está toda a gente entretida com o circo da Sala Oval mas o absurdo da realidade está a impor-nos conclusões que este senhor sintetizou muito bem na sua visita a este cantinho. A Europa é jovem e depositou as suas garantias de segurança e prosperidade nas mãos de terceiros. Dedicámo-nos a servir de museu da civilização com o nariz empinado de autopercepcionada superioridade moral. E agora, ou nos reposicionamos como potencia mundial com capacidade de defesa e tecido produtivo ou esses valores que tanto nos orgulham, em breve, não passarão de pó sobre os livros de história. Très bien.
- Um desabafo laranja. Que a política no país dos brandos costumes se rege por um código ético igualmente brando, já todos sabemos. Mas face a eventos recentes, não sei se não estamos a dirigir-nos para o extremo oposto, sem sequer passar pelo ponto médio. Se não queremos políticos de profissão, também não podemos exigir aos titulares de cargos que não tenham um passado ou até um presente à prova de conflitos de interesse. De relembrar a velha piada portuguesa que sugeria que a autoestrada do Algarve só passava em Boliqueime por ser a terra natal do PM de então, Cavaco Silva. Chamem-me ingénua mas deu-me ternura ver a Terceira Figura do Estado confessar, de forma tão estudada como rendida à ruralidade que o PR lhe diagnosticou, que gostaria que os filhos dele não tivessem de vender nada do que herdarem. O meu avô dizia "só se vende uma vez" quando queria dizer exatamente a mesma coisa. Maldito PM, a ir-me ao coraçãozinho. Não sei que mais explicações irá a oposição exigir-lhe. Creio que só falta mesmo o senhor mostrar as cuecas, isso de facto ainda não vimos. Sempre era uma novidade, pelo menos no continente. A Madeira já teve o José Manuel Coelho, do Partido Trabalhista em 2016. Estão mais avançados.
- Um desabafo laranja, parte II. Dos últimos 30 anos, 22 foram passados com o PS no governo. A maior parte do governo PSD que eu recordo esteve sujeito a um memorando de entendimento que ninguém quer recordar. Bem sabendo que é pouco provável que o parlamento o venha a permitir, confesso que gostava que um executivo de direita conseguisse acabar uma legislatura. Propôs um projeto e a maioria, escassa, mas maioria ainda assim, apostou por ele. Seria bom que os deixassem terminar e que fosse o julgamento dessa execução que fosse a eleições e não um novo colapso que nada tem a ver com a capacidade ou falta dela em responder a todos os problemas que temos.
- Dos problemas, a saúde. Esta semana, perguntei a meia dúzia de amigos médicos como viam o futuro do SNS. Da esquerda à direita, todos concordámos - a franco contragosto - que está destinado a acabar, pelo menos, nos moldes em que o conhecemos e em que o sonhámos quando começámos a trabalhar nele. Acho que isto é sintomático de alguma coisa. Imagino que os donos de uma fábrica ou de um supermercado não teriam demasiado em conta, à partida, a visão dos seus funcionários sobre o seu local de trabalho. Mas talvez devessem fazê-lo. E talvez o SNS não possa ser encarado da mesma forma. Certamente, não pode.
- Quando era miúda, costumava fazer listas com todas as coisas de que tinha medo. À frente de cada uma delas, escrevia o que ia fazer em relação a isso. Passados uns bons anos, os medos já são poucos. As ansiedades, nem tanto. Esta semana, decidi que quero fazer mais coisas que me façam feliz e lembrei-me que sou mais feliz quando escrevo. E se uma lista de ansiedades for tudo o que esta cabeça conseguir produzir? Seja. Nada fica demasiado tempo na nossa cabeça depois de mastigado para papel. Eu que o escreva.
Comments