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Ansiedades e Ansiolíticos 20/07/2025

  • thenutsbook
  • 20 de jul.
  • 2 min de leitura
Antes de começar a anestesiar a doente, deu-me para olhar à minha volta. À minha direita dois colegas que vieram estagiar connosco. Polónia e Angola. À minha esquerda, duas alunas de Medicina. Rússia e Brasil. O meu enfermeiro pôs a música que eu gosto e eu fiquei com o pressentimento de que algo estaremos a fazer bem no Serviço Nacional de Saúde. Saberá Deus até quando.

“A menina desculpe. Sabe-me dizer se eu já lanchei?” O senhor que deve ter uns 80 anos e está impecavelmente vestido questiona a rapariga da Padaria Portuguesa com uma delicadeza extemporânea aos nossos dias e nota-se porque a rapariga nem percebe a doença de quem pergunta nem responde com os mesmos modos. A cuidadora do senhor chega com o telefone na orelha, murmura um “como é que ‘tás?” e não espera pela resposta. Permanece frente a ele, sentada na cadeira e em chamada telefónica durante uns 10 minutos protocolares e no final levantam-se os dois. Ela segue a conversa e caminha 2 metros à frente dele, que se esforça com a bengala para lhe acompanhar o passo. Aqui, sem dúvida, não estamos a fazer nada bem.

A folhinha de Excel não mente. Já são 50 os doentes que fazem exercício durante a hemodiálise na clínica onde trabalho. O meu professor de Educação Física haveria de rir a bandeiras despregadas se lhe chegasse aos ouvidos que me puseram a tomar conta de um programa de atividade física - mesmo que seja enquanto médica. Afinal de contas, passávamos mais tempo a discutir política e literatura do que a praticar qualquer tipo de exercício. O que, na minha opinião, não deixa de ser bem mais agradável. 

Vista Alegre. Quando os meus pais se divorciaram fiz uma única - e pouco modesta - exigência. Quis o serviço de mesa do Natal, o que, escrito assim, parece capricho de miúda mimada. Não o fiz pelo valor material. Muito francamente, já tínhamos dois. Na verdade, foi uma tentativa - patética - de guardar um souvenir material de uma ilusão com prazo de validade. Durou poucos anos, mas durante alguns vinte-e-quatros de dezembro e apenas por algumas horas - as que passávamos em frente àqueles pratos - quase parecíamos normais. Fui buscá-los à casa que nunca senti minha quando o cartaz que dizia “vende-se” já estragava a fachada. Nunca tive tantos cuidados com um bem material e as perto de 100 peças do “Cozinha Velha” fizeram a viagem de Sintra a Vila Franca com toda a tranquilidade que se pode ter no porta-bagagens de um Renault Captur. A mudança para Lisboa foi menos branda e gerou uma vítima. O prato da molheira. Toda esta conversa para contar que a fábrica da Vista Alegre em Ílhavo tem um espaço destinado à produção de peças por encomenda destinadas a sarar as feridas patrimoniais resultantes dos acidentes domésticos dos seus clientes. E que o meu prato novo brilha mais do que os seus parentes. Por algo será.
 
 
 

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