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Ansiedades e Ansiolíticos 29/05/2025

  • thenutsbook
  • 28 de mai.
  • 3 min de leitura

Degelo. A palavra vive refrescantemente no meu cérebro há umas boas semanas.


Começou, incipiente, com os primeiros raios de sol a sério, ainda antes do exame, numa espécie de prenúncio de coisas boas. Ainda tive direito a uns valentes dias de sombra, por dentro e por fora, depois. Mas a luz desta altura do ano é imparável e embora não afaste definitivamente todas as minhas nuvens, consegue carregar estas baterias até àquele valor mínimo para esta traquitana de coração arrancar de novo. Mais uma vez.


Voltei a ir estudar para a faculdade como fazia antes e apercebi-me de várias coisas bonitas, novas e velhas.


As velhas, os Reencontros. Distraem-me, fico perdida a olhar para eles como uma groupie meio-nostálgica, meio-tarada. Na faculdade são sempre a mesma coisa. A imagem não muda, embora mudem as personagens. Os sorrisos, os abraços, a alegria que brota, mais barulhenta ou mais silenciosa mas sempre genuína, do encontro entre pessoas que são sustento vital umas das outras. Abracem-se muito, rezo por dentro. Antes que tenham de começar a ver-se por entre os buracos das escalas de banco.


As novas, acho que as pessoas LGBTIQA+ estão finalmente a sentir Segurança suficiente para se portarem como gente normal no campus. Explico-me. Era típico que os casais se colassem no escuro das festas, quando toda a gente estava demasiado preocupada em encontrar alguém com quem fazer o mesmo para sequer reparar. Paradoxalmente, nunca vi dois rapazes - e oh se eles andavam aos pares - de mãos dadas nos corredores. Nunca vi um beijo à luz do dia. Claro. Ainda tinham medo. Não dos amigos, certamente. Talvez dos professores, dos doentes, da comunidade académica como um todo. Bem, tenho visto muitos rapazes de mão dada ultimamente. Raparigas também. Não deixa de ser triste o tempo que demorou - e ainda irá demorar - até que não haja barreira alguma a dividir as pessoas pela identidade ou orientação que têm. Mas há sinais de esperança. Dos fofinhos.


Por falar em coisas novas, comprei uns Lápis de carvão. Toda a vida escrevi a caneta, estudei a caneta, fiz exercícios de matemática. Quando me enganava riscava e começava de novo. Na altura enganava-me pouco. Mas acho que já não é assim. Agora acho que me engano como as pessoas normais o que me irrita descomunalmente. Irrita-me e assusta-me que nunca nada jamais volte a ser tão simples e linear como resolver um limite ou uma equação de segundo grau. Não há um campo de batalha com linhas bem definidas onde eu me sinta imparável. Então comprei uns lápis. Com unicórnios. Como dizem aqui, é o que é. Rendo-me. Ou melhor, não me rendo, mas compro equipamento adequado para apagar as vezes que forem precisas. Desde que seja para escrever de novo.


Esta semana consegui completar a tarefa prodigiosa de coser um Botão. O que só é significativo porque este minúsculo afazer estava abandonado por entre todos os outros há meses. O pobre coitado foi arrancado do seu casaco num primeiro encontro. E o pobre rapaz que me deixou nervosa o suficiente para eu o arrancar enquanto tentava ocupar as mãos teve tempo de adquirir o estatuto de ex-namorado antes que eu o voltasse a devolver à morada original (o botão, não o rapaz). Não encontro exemplo mais ilustrativo do tempo livre (ou ausência dele) dos médicos internos no SNS. Não sou eu, somos todos. E um dia, teremos de parar de nos perguntar porquê e começar a perguntar como raio saímos daqui. Pessoalmente, aprecio casacos com botões. Mas creio que não tenho talento para os manter ali. Este já fugiu novamente de casa e desta vez, penso que o perdi para sempre. Aceito. Há feridas que teimam em deixar cicatriz.


Só mais uma coisa. O Pequenino que vive no apartamento em frente ao meu está a subir as escadas com o avô. Já lhe vou conhecendo os passos. Naquela voz balbuciante, ouço qualquer coisa como “a mãe vai chegar e o dia vai ficar melhor”. E dou por mim a notar que não houve um dia da minha vida em que isto não fosse verdade. Os miúdos lá sabem.

 
 
 

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