Aspirações Modestas
- thenutsbook
- 15 de jul. de 2020
- 2 min de leitura

Agora sim, é oficial. Está calor, muito calor e o Verão esgueirou-se por baixo da minha pele de forma que até os tubos de escape de LIsboa parecem lançar vapor de água salgada.
Não exageremos. Na verdade, ainda não fui de férias e já se nota uma certa projeção da vontade de o fazer. Apesar de que, quando esse dia glorioso chegar - e já não falta muito - não sei se virá acompanhado do desprendimento, despreocupação e demais "des" que decoram estes dias. De alguma forma, a nossa liberdade permanece restringida - mais que não seja pelo medo - e isso coage-nos. De maneiras insuspeitas, por vezes. Hoje comentei com uma colega que tinha ido ao cinema e permaneci a meia hora seguinte navegando pelos mil e um significados do infinito suspiro que recebi como resposta.
Primeiro, a quase surpresa. Coisas como ir ao cinema esfumaram-se das nossas vidas tão subitamente que, por momentos, é quase compreensível que duvidemos das nossas memórias felizes e questionemos se alguma vez existiram. Depois, a surpresa definitiva. Como se de um crime (ainda) se tratasse. Também no desconfinamento a transição tem sido abrupta e sem grande correlação com os números que nos assaltam os telejornais todos os dias. Depois, a compreensão. Se passa a “ser legal” retomar a nossa vida, então torna-se uma questão de saúde mental fazê-lo. E por fim, a curiosidade. Como se a frequência do espaço público nas suas várias valências se tivesse transfigurado de tal maneira que já não conheçamos os códigos vigentes para existir em sociedade. Deste ponto sofro particularmente. Ainda me tenho de conter para não abraçar uns bons 50% das pessoas com quem me cruzo.
No início da semana, li um artigo que constatava o óbvio da experiência que acabo de relatar. Fizemos planos modestos para os próximos 3 meses. Fomos pouco ambiciosos. Ao mesmo tempo, as nossas necessidades emocionais estão certamente em máximos humanitários. Um paradoxo perigoso.
Da minha parte, senti todo o oposto. Se retirei alguma lição prática dos meses passados, para usar nos passos dos seguintes é que a expectativa - e o investimento que damos à sua concretização - também é um exercício de amor próprio e de confiança no mundo. Na capacidade de nos regenerarmos ambos continuamente. E a ambição não é mais um defeito ou uma qualidade. É um dever moral, um compromisso da cabeça e do coração de viver pela procura do especial, do extraordinário, da cor por entre os claro-escuros. Aquilo que vivemos não me ensinou a parar. Antes pelo contrário. Ensinou-me que todo o tempo que vivemos é para ser desfrutado mais do que gasto.
Quero passar pelo tempo em vez de ser ele a passar por mim. Que os livros sejam mares onde mergulhar. As pessoas, paisagens deslumbrantes. Cada café, cada conversa de fim de tarde, um fogo de artifício. Que o mundano seja singular e o banal, inexistente. Que sejamos todos lâmpadas incandescentes e girassóis que procurem a luz. Animais mais ou menos irracionais, mais ou menos selvagens... mas sempre esfomeados. E que a vida nunca deixe de ser um restaurante gourmet.
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