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|pilares - 6# Brilho

Saí de casa na ambiguidade. O meu avô dizia que a vida não se resolvia lá dentro, mas ele não era milennial. Tenho milhares de coisas para fazer em frente ao PC e nem sequer se dá o caso de que esteja a sair pouco: a minha conta bancária já me começa a gritar como gritavam as nossas fotos de perfil durante a pandemia. Stay the fuck home.

Ao mesmo tempo, a encomenda para levantar dou outro lado da cidade foi uma desculpa esfarrapada mais do que bem vinda. Precisava do ar fresco, ou, se calhar, não tão fresco, porque até aquela primeira onda de calor humano fermentado, que se apanha ao entrar, me soube quase bem.


Saio no Rossio e as luzes de Natal ainda estão de pé, mas apagadas. Estamos na segunda semana de Janeiro. Gaita.

Não lhe chamam "cuesta de Enero" do outro lado da fronteira por nada. Janeiro é a porcaria de um plano inclinado que subo com imensa dificuldade, todos os anos, depois das últimas semanas passadas a deslizar despreocupadamente, montanha abaixo, montada no trenó do Pai Natal.


Lisboa desmascara-se esta semana. Quando se apagam as luzes, voltamos a ver o que elas camuflam. Os prédios degradados, as pedras descalçadas. Até os sem-abrigo porque passámos, todos, mais ou menos carregados de saco na mão. Olá, de novo, feridas escondidas pelo brilhos das luzes.


Eu faço o processo inverso. Passei toda a semana em cima dos meus sapatos mais altos, com os lábios pintados com o mais vermelho dos vermelhos, que não tirei nem mesmo para dormir (minuto de silêncio pelas fronhas da almofada). Se o tirar vejo-me. Veem-me. Deus me livre. Se as pessoas estiverem demasiado ocupadas a olharem para uma boca vermelha, não reparam se os olhos estão vermelhos ou não. Se perguntarem por um sapato, melhor ainda, a conversa mantem-se nesse nível. Escondemo-nos à vista de todos, Lisboa e eu. E ela é mais corajosa, despe-se logo a seguir ao Natal. Eu ainda vou precisar de mais uns dias.

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