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Como é que eles se atrevem?

  • thenutsbook
  • 12 de mar.
  • 2 min de leitura

Nao quero roubar a deixa à pequena Greta Thunberg mas é a única reação que tenho enquanto assisto à mais trágica peça de teatro que vi nos últimos meses: o debate da moção de confiança.


No momento em que escrevo, os parlamentares estão há 30 minutos a discutir se há enquadramento regimental para suspender os trabalhos quando ambos os principais partidos acabam de se aperceber de que o outro lado não vai ceder.


O deputado António Filipe do PCP intervém para dizer de forma muito educada qualquer coisa como "façam o que vos apetecer, mas façam-no já". Poder-se-ão discutir as posições do Partido Comunista mas não a sua boa educação. 


Sentada no sofá de casa, onde tive o privilégio de ficar hoje a trabalhar, enquanto assisto ao espetáculo como quem vê um jogo de futebol, quase me sinto culpada. Mais ainda, quando a deputada Inês Sousa Real tem a amabilidade de nos relembrar quanto vai custar um novo ato eleitoral: 25 milhões de euros.


São poucas as pessoas que podem encarar o dia de hoje com relativo e bem-humorado desportivismo. Na verdade, são poucas as pessoas que ainda se interessam de todo pelo que vai acontecendo no ecrã à minha frente.


E, realmente, como é que poderiam?


Fora do parlamento, a vida segue. As vidas, sobre as quais aqueles senhores decidem, seguem.


A esta hora, há quem acompanhe este espetáculo em salas de espera de uma urgência privada porque os tempos de atendimento contraindicam que se recorra ao Serviço Nacional de Saúde. Há quem o acompanhe pelas redes sociais, nos intervalos entre cirurgias durante o segundo ou terceiro banco de 24h desta semana. Há quem o acompanhe pela rádio, em paragens de transportes públicos que tantas vezes lhes falham. Há quem olhe para os ecrãs enquanto sonha comprar casa ou tem pesadelos com a possibilidade de ter de emigrar. E sim, há quem  esteja em todos estes cenários e escolha desligar-se, atordoado pela dificuldade em encontrar representação entre aqueles que, por compromisso solene, nos representam. Ou pior: as ruas da minha cidade estão cheias de pessoas que fizeram delas casa e a quem estas notícias, que vão recolhendo das bocas de quem lhes lança o precário sustento, parecem tão longínquas como se chegassem de Marte.


Passaram-se 19 dias desde o debate da primeira das duas moções de censura que foram apresentadas e desde essa data que o parlamento se tem dado ao luxo de adiar sessões legislativas sobre os mais variados tópicos para se centrar, com toda a sumptuosidade que as démarches regimentais permitem, na vida pessoal e profissional do primeiro-ministro. Não vou questionar a relevância dessa matéria, nem a importância de garantir a idoneidade de quem desempenha cargos públicos.


Mas questiono tudo o resto. Sobretudo, questiono a ética de suspender o país e consumir vários milhões de euros nesse processo para demonstrar, precisamente, qual das forças políticas é que dela carece.


Também eu já terei desligado o meu ecrã à hora que o governo acaba finalmente por cair e esse gesto é sintomático e premonitório: sempre que a ética desaparecer da vida pública, florescerá a abstenção. Maio prevê-se florido.


 
 
 

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