Fazer o percurso até ao metro pela Madison Avenue foi uma boa ideia. Deve haver alguma lei local que proíbe duas pessoas ao longo desta linha de se vestirem igual. Há lugar para tudo e quase tudo me parece bonito. Até (ou sobretudo) a senhora dos seus quase 70 que desfila à minha frente, embutida num vestido vermelho com o comprimento exato de escândalo + 1 cm. Não tenho lata para escrever que há uma voz na minha cabeça a pensar sobre isto. Sou eu mesma que penso qualquer coisa como “Senhor, vai-me acontecer o mesmo. Não vou ter discernimento para perceber quando é que já não fica bem vestir-me como me visto agora e vou andar pela vida, com esta idade, assim: parcialmente despida. O que pode, mais tarde, vir a ser problemático. Um dia, chegaremos ao ponto em que em vez da tanga, alguém poderá vislumbrar até à fralda para a incontinência.” Sim. Sem dúvida que sou eu.
Passo pela sede do New York Times antes de mergulhar no subterrâneo pela última vez. Ainda não sei que, daqui a uns dias, o jornal vai declarar oficialmente o apoio a Kamala Harris. Embora o editorial me tenha comovido - quase tudo me comove - a decisão parece-me um sinal-dos-tempos e, portanto, mais uma patetice. A opinião baseia-se em interpretações inteligentes dos factos. É legítimo e até recomendável abstermo-nos dela quando desconhecemos o tema em causa. Mas aqui e apenas aqui, a abstenção desapareceu. A opinião é universal e baseia-se agora, em boa parte, na interpretação - ou cópia direta - das opiniões com melhor estratégia de marketing. Estou convencida de que o bom jornalismo é o reduto último da pureza deste processo. A matéria-prima a partir da qual as pessoas que forem capazes de pensar - e as outras também mas quanto a isso não há remédio - constroem uma opinião. Trabalhos com a neutralidade monolítica e imaculada como o fact-checking que decorreu durante o debate, mais meritórios ainda pela dificuldade que têm em direto. Não acredito que tingir de parcialidade todos os trabalhos sérios, passados e futuros - de um dos maiores meios de comunicação do país vá contribuir para a derrota de Trump traduzindo-se em votos concretos, se não contribuir para agravar a desconfiança dos eleitores nos media. Mas teremos de esperar para ver.
Bebo o meu último café já no avião, antes de tentar dormir as 6 horas restantes até ao banco. “Extra large, please”. Disto, terei certamente saudades.
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