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Lisboa, 9 de setembro de 2024

  • thenutsbook
  • 7 de out. de 2024
  • 2 min de leitura

O táxi estacou à porta de casa precisamente às 6h59. Tinha medo deles em miúda, mas nos últimos anos, acabei por afeiçoar-me. Com alguma lógica (os afetos têm alguma lógica). Toda uma infância de “não fales com estranhos” seguida de uma adolescência de “cuidado com a internet” para chegar a uma contemporaneidade em que encomendamos estranhos que não falam connosco, pela internet, para nos darem boleia.


Fiz a chamada para a central no dia anterior e a voz simpática do costume atendeu-me com um ”Olá D. Pilar. Na morada de sempre e para o aeroporto? A que horas quer?”. Rendo-me. Num mundo de Ubers, quero ser a senhora dos táxis.


Este em particular era irresistível, pelo menos, no departamento da sonoplastia. Não ouvia Nat King Cole ao amanhecer desde os tempos da faculdade, o que só pode querer dizer que estou a perder qualidades. De repente, sinto-me em casa. Agora sim, vamos lá. “É para o aeroporto, sim. Partidas.”


***


Os aeroportos também podem ser casa. A de quem se sente sempre um bocadinho estrangeiro. E se o voo ou a pessoa que esperamos estiverem atrasados, não há melhor sítio para escrever. Nenhum lugar no mundo congrega maior densidade de histórias e até o observador mais despassarado pode deixar-se ficar a um canto, sossegar a mente um minuto, desprender-se da sua narrativa e evadir-se nas dos outros. Ponha-se-lhe uma caneta na mão e está feito. Matéria-prima de qualidade semelhante, só mesmo em hospitais. Mas nestes últimos as viagens são de outra natureza. Além de que, por alguma razão, não costumo propriamente ter tempo livre dentro deles. Vá-se lá saber porquê.


Hoje, também não terei tempo livre aqui. Nem chego a alcançar o guichê quando uma senhora de uniforme da Delta e olhos muito abertos nos seleciona para a “entrevista aleatória”. Urge-me saber os critérios de seleção dos entrevistadores. As perguntas são banais e padronizadas, como seria de esperar. Onde mora, o que faz, o que vai fazer a Nova Iorque. Quer ir ao MET? O que é o MET? A funcionária cujo trabalho inclui apurar a idoneidade das nossas intenções desconhece o significado da mais turística das respostas e isso, de alguma forma, causa-me ternura. O absurdo da situação não tem nada de americano mas, se tivesse mais de português, era pedra da calçada.


A partir daqui, mal tive tempo para saborear a minha cafeína de média manhã em condições. Não fui dispensada da segunda inspeção, aquela que nos põe ridiculamente descalços num cantinho nada discreto junto à porta de embarque mas quando dei por mim já estava de auscultadores nos ouvidos e pastilha de mentol na boca a pedir à hospedeira o meu café do meio-dia. Adeus, shots lisboetas; Olá, baldes americanos de água escura quentinha. Isto promete.

 
 
 

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