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Luzes de Natal

  • thenutsbook
  • 24 de fev. de 2021
  • 5 min de leitura


Descobri uma coisa fantástica no outro dia. Fantástica o suficiente para tornar a comuta diária para o trabalho num quase passeio turístico. Já vos explico tudo, mas primeiro preciso do contexto. Que neste caso passa por falar sobre a figura mágica e misteriosa que existe há mais de um mês no banco de trás do carro: uma árvore de Natal.


Porque nestas coisas, o tamanho importa, obviamente. E a minha árvore de um modesto metro e oitenta bem que tentava alcançar o teto da salinha da nossa casa de Tomar, mas sempre sem grande sucesso. A candidata a substituir a nossa veterana com mais de uma década cruzou-se no meu caminho - ou dei eu de caras com ela ao entrar na Area das Amoreiras - nos dias anteriores ao Natal. Por um minuto fui uma criança ainda mais pequena que a que sai cá para fora - vinda de dentro de mim - a cada época natalícia. 3 frondosíssimos metros de altura. E um preço a condizer. Um pesadelo por um pedacinho de sonho. E toda a minha sensatez a ser colocada ao serviço dos meus pés hesitantes da estoica decisão de sair dali de mãos vazias e carteira intacta.


Passou-se um Natal maravilhoso ao qual se seguiu nova ida ao Centro Comercial. Embora não compre muito, confesso que vivo lá, quando a carga viral circulante o permite. O mais recente objeto dos meus afetos ainda lá estava, ainda que com uma pequena particularidade. De um dos ramos, discretamente, pendia uma etiqueta com letras não tão discretas. Do tipo de letra capaz de causar uma arritmia ao coração mais sinusal. MENOS 70%.


Devo ser honesta. O valor final ainda era bastante escandaloso. E havia uma questão igualmente perturbadora… será que cabe? Nunca pensei que não saber a altura de uma sala pudesse provocar semelhante comoção mas o pânico era real. Era Sábado, seríamos obrigados a recolher a partir das 13h e nem eu era louca o suficiente para fazer 270 Km ida e volta só para chegar, medir a sala e sair. Mas o apartamento mede quase o mesmo não é? Se calhar até dava.


Falei com o funcionário e ambos concordámos que haveria pouca gente louca o suficiente para me arrebatar uma árvore de Natal nas 2 horas que faltavam até ao fecho. Estávamos a 31 de Dezembro. Tínhamos tempo para fazer a medição aqui em casa e estar de novo na loja no dia 2, logo de manhã, se a coisa coubesse.


Meu Deus, aí sim tenho plena noção de que devo ter soado como uma miúda da primária. Trancinhas e tudo. "Bom dia! Posso levar a vossa árvore?" Faltou o "Por favor!!! Posso, posso, posso?" Muito francamente nem sei se não entrei na loja aos saltinhos e a tentar não pisar as linhas dos azulejos no chão. Como de costume, nunca se presta demasiada atenção a quem é estranho desde que se pague, pelo que os meus ajudantes de Pai Natal começaram logo a desmontar a minha imponente aquisição até a confinarem (palavra detestável) a uma caixinha de metro e meio que, apenas de milagre, conseguiu caber no carro.


Claro que, como sabemos, pouco tardou até que a árvore deixasse de ser a única coisa a estar confinada. Impedida de desfazer a minha reformada companheira (deixámo-la ainda montada no dia 25, com pena de a desfazer tão cedo) e arrumar a nova, também não mostrei demasiada disposição em subi-la temporariamente a um terceiro andar sem elevador. E assim, meus queridos, ganhei a minha nova copiloto.


Tem ido comigo a todo o lado... o que nestes tempos não corresponde a outra coisa que bancos no Serviço de Urgência e idas ao supermercado… um percurso ainda assim notável para uma coisa que foi desenhada para ficar exposta anualmente durante apenas 1 mês, sempre na mesma localização estratégica da sala. Acho até que lhe ganhei um certo carinho, assim como está. O banco de trás não tem recebido os amigos na galhofa que recebia antes mas, pelo menos, custodia agora um símbolo da bolinha de amor de que eles fazem parte. Um que está à minha espera quando eu saio do hospital às 8h da manhã e que também reclama - tal como eles reclamariam - agitando-se ruidosamente cada vez que travo a fundo, mesmo em cima do semáforo. É provável que sofra de um certo síndrome do ninho vazio quando finalmente a tirar dali.


O que me leva à descoberta maravilhosa que prometi no início. É que depois de algumas semanas a sentir-me “a doida da árvore”, descobri companheiros de loucura, pela cidade aqui e ali, não tão bem escondidos do meu olhar distraído. Como os que por aqui andam há mais tempo saberão de sobra, a Comboios de Portugal e eu mantemos uma relação pessoal e intransmíssivel desde os tempos da faculdade, de maneira que o carro fica parado a maior parte dos dias. Passo por ele quando saio de casa, pouco depois das 7h e pisco o olho de maneira ridícula à minha companheira verdinha, ainda à espera do seu - e do meu - desconfinamento. Como sempre, há dias mais difíceis do que outros por razões que se passeiam por aqui de vez em quando. Num desses, bem gelado como só Janeiro os sabe ter, um vislumbre de luz que não devia estar ali cortou-me o passo em seco. Não podia ser. Oh mas era. Num primeiro andar entre a minha casa e a estação, cintilavam ainda as luzes orgulhosas de uma árvore de Natal fora de horas. Afinal não sou só eu a precisar de consolo reluzente. A visão de luz durou só dois dias. A escuridão do terceiro deprimiu-me. Mas também ela durou pouco tempo. Quando voltei a encontrar-me com um vislumbre do mesmo género, num apartamento diferente e logo no dia seguinte, o entusiasmo esteve muito perto de me fazer rodar colina abaixo. Literalmente, que o caminho para a estação é a descer. E foi a descer (o meu eu infantil sempre fantasiou com rebolar dali para baixo como bola de futebol mas até agora contive-me) que o vi, através da janela, outro espectáculo de luzes semelhantes que só podiam partir do lar de outro membro desta maravilhosa comunidade de “maluquinhos do Natal” à qual eu não sabia que pertencia. Calculava-nos escassos nisto de pôr o Bing Crosby no Spotify em dias quentes de Julho. Mas supunha-me francamente sozinha e isolada nesta resistência a deixar o calor do Natal desaparecer a 6 de Janeiro e na obstinação de o arrastar comigo até agora como forma de aconchego através destes dias de gelo interior e exterior.


Afinal éramos mais do que pensava. E afinal não era só eu a ter sentimentos ambíguos quanto a este recurso. O primeiro apartamento que vi, o tal que apagou primeiro as suas luzes, mergulhou na escuridão por pouco tempo. Depressa o voltei a ver iluminado, desta vez por uma daquelas árvores pequeninas feitas em fio de luz que se colam à janela. A árvore “verdadeira” devia estar a saltar à corda com a fatura da luz dos moradores e aquela versão de amor formato mini devia ser mais respeitadora do orçamento familiar. Mas a luz não era opcional.


A luz nunca é opcional.


 
 
 

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