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Escrever é uma atividade que me coloca um certo risco de vida. Literalmente por uma questão de processo. Apesar de ter orgulho num grafismo relativamente bonitinho, para quem não percebe nada do assunto, o ritual que lhe está subjacente é bastante mais messy.


Fundamentalmente porque, como acontece com a maioria dos seres vivos pensantes deste planeta (cerca de metade da população humana), as ideias nunca surgem no momento apropriado. As palavras certas raramente nos chegam quando estamos nirvanicamente sentados à secretaria aguardando a chegada das musas. Não, caraças, ou é no banho ou é naquele momento escorregadio entre o sono e a consciência.


Ou é sobretudo a andar. Sim, que isto do comboio é só o prolongamento daquilo que começou quando fechei a porta de casa. Até chegar à estação, e do momento em que ponho um pé fora do comboio até que chego ao hospital, temo continuamente pela minha vida. Porque só há dois cenários possíveis: ou vou registando aquilo que o meu cérebro começa a debitar quase ininterruptamente, com risco da minha saúde física (nomeadamente podendo ser colhida, no mínimo, por um estafeta da UberEats e, no máximo, por uma camião TIR) ou procuro registar tudo aquilo de que me possa recordar - quase nada - quando chego ao trabalho (onde é suposto que esteja, pois, a trabalhar) ou a casa, resultando em evidente deterioração da minha saúde mental. É um desastre. Já experimentei gravar o que digo pelo Whatsapp mas há desvantagens… primeiro, sou capaz de parecer ligeiramente louca, e depois, isto de mudar de meio também altera o produto final. Não somos a Taylor Swift com os seus áudios no telemóvel, caramba. Não estou a cantar, as palavras não tem entoação, são uma rajada. Um vómito em jacto. E nunca fui capaz de abrandá-las sem que elas escapassem por entre os meus dedos.


Mais uma vez, a minha introversão laboriosamente dissimulada fazia-me acreditar que estava sozinha nisto. Nada mais longe da realidade. Saiu há pouco tempo um livro chamado "Filósofos de Passeio" sobre a relação mística que aparentemente existe entre várias cabeças pensantes emblemáticas e esta prática maravilhosa de colocar um pé à frente do outro.


Aparentemente, a atividade repetida faz-nos perder o controlo ativo do pensamento. Baixamos a guarda e o nosso subconsciente traz à superfície aquilo que lhe apetece. E quando assim é, tudo pode acontecer. É um exercício fantástico… enquanto dura… mas chegamos a casa e estamos tramados. Puff.


Suponho que seja mesmo para ser assim. Ainda que possamos sempre publicar o que escrevemos, o momento em que criamos as coisas e o passear em geral são coisas muito íntimas não são? Do tipo de coisa que estragamos quando tentamos preservar. Como tentar fotografar um pôr do sol. Fazer-lhe justiça é impossível.


Talvez por isso sejamos tão selectos quando escolhemos quem caminha ao nosso lado. Literalmente, tenho amigos que escolhem com mais critério com que vão ao parque do que com quem vão para o quarto. True story. Às vezes há mais vulnerabilidade na primeira do que na segunda.


Porque independentemente do quão importante possa ser a viagem ou o que ela nos ensina, há uma realidade incontornável quanto ao destino. Regressamos sempre a nós próprios. E o que escapa por entre os nossos dedos sempre nos torna mais leves. Essa leveza justifica todos os quilómetros do mundo.

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