Não me abraces
- thenutsbook
- 18 de set. de 2020
- 2 min de leitura

Sempre ouvi escritores, músicos e atores dizerem da sua obra que, uma vez lançada, perdem dela toda a propriedade, no que ao campo das interpretações diz respeito.
Essa escritura passa para o público que é livre de desenhar os significados que lhe aprouver.
Desconfio da auto-estima de pessoas que se autointitulam artistas e nunca me passará pela cabeça autointitular-me como escritora mas a verdade é que agora já posso dizer que produzi texto que se tornou - para todos os efeitos legais - um produto comercial. Assinei a minha escritura.
Confesso que os novos donos parecem uns fofos, até agora. Só que no outro dia, alguém de quem gosto muito me disse que o que eu queria era um abraço. E para mim, ainda que Administradora Executiva do Condado dos Unicórnios, essa afirmação tão contundente soou como um insulto.
Entendo o que ele quer dizer. Muitas das minhas histórias têm origem em lugares complicados. A Ansiedade, a Insegurança, a Inquietação... podem ser estradas verdadeiramente labirínticas. Mas não escrevo sobre elas - nem conto histórias - para receber abraços.
Nas minhas paragens ocasionais por cidades sombrias, encontro sempre um Uber, disposto a apanhar-me na beira da estrada e com um sapato a menos, sem que eu precise sequer de alçar um dedo ou de chamá-lo pelo telefone. Sou abraçada mais vezes do que mereço, consequência direta de abraçar, às vezes, também quem não merece. O Universo é um excelente contabilista e raramente deixa saldos a descoberto.
Além de que é um certo lugar comum, não é? Pensar que a solução para qualquer dificuldade que uma mulher enfrente é um abraço. Uma intervenção de um agente externo (ponto extra se for um homem). E não uma intervenção do ponto de vista técnico. Não é uma ajuda prática, uma proposta de solução. É um puto de um abraço. Uma palmadinha nas costas, para ver se a histeria diminui. Para ver se a miúda se acalma.
Depois de semelhante interpretação, permito-me usar da única arma que sempre empunhei para fazer uma defesa de honra: as minhas palavras nunca são pedidos de ajuda. Quando preciso dela, tenho a quem telefonar. Sempre tive. E com um bocadinho de sorte (e algum que outro empréstimo da Conta Bancária Universal), talvez venha sempre a ter. Mas como já expliquei uma vez, há coisas que precisamos de resolver sozinhos. Túneis até à superfície que só nós podemos escavar. Labirintos cuja saída só nós podemos encontrar.
As minhas palavras são mapas. Páginas e páginas de cartografia rabiscada. Cada vez que nos voltamos a perder, revisitamos o mapa, acrescentamos um ou outro beco que ainda não conhecíamos. E escapamos mais depressa das armadilhas que nos são familiares. Das esquinas mal iluminadas que já conhecemos das visitas anteriores.
E saímos mais fortes. De mão dada com alguém, provavelmente. Mas pelo nosso próprio pé. Se possível, de salto alto.
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