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Peter Pan

  • thenutsbook
  • 28 de fev. de 2021
  • 2 min de leitura

“Um dia chega a mim a calma,

O meu Peter Pan hoje ameaça:

Aqui há pouco a fazer.”


Lembro-me de ouvir aquela canção como se tivesse sido escrita para mim. Como se os adolescentes de Madrid que a escreveram tivessem tido cuidadosamente em conta as ansiedades da miúda de 8 anos que eu era quando aquelas palavras aterraram no papel. Foram precisos mais 8 para que me encontrasse com elas e, agora, quase 10 anos depois, ainda acho que foram escritas para mim; para nós, que vivemos cada momento já com a angústia de o vermos fazer-se passado. Senti-a nas veias a cada aniversário, pela graduação do secundário, por cada ano de faculdade. Aquele sussurro interior que dizia “esto se acaba, señores”.


Voltei a cruzar-me com ela na semana passada, numa espécie de versão revival. E apercebi-me de duas coisas. A primeira é que o medo de ficar sem Peter Pan interior cravou-me a ferro e fogo todos os momentos felizes. Em duplicado. Recordo-me deles mas também do instante exato e simultâneo em que retirei um segundo para ordenar a mim própria “não te esqueças do que estás a sentir agora”. Assim. Ainda não esqueci nada importante, acho. A minha voz interior é muito persuasiva. Graças a ela, há tubos de ensaio de felicidade criopreservada por todo o meu cérebro. Ser ansiosa tem de ter alguma vantagem.


A segunda coisa é que quando o meu Peter Pan entendeu realmente que tinha chegado a hora dele, partiu em silêncio, com descrição, sem eu dar por nada. Foi fazendo as malas, sorrateiramente. Varreu todos os vidros partidos que estavam no chão, deitou fora os papéis velhos, rasgou as fotografias que eu não tive coragem de rasgar. E, por fim, esperou que eu estivesse distraída com coisas menores como, por exemplo, uma pandemia; apagou a vela do seu quarto de cortinas cor-de-rosa e saiu. Deixou a casa arrumada e não levou nada de que eu pudesse vir a precisar. Deixou-me, como dizia a canção, em calma. Ou a caminho dela, esperemos nós, que as crianças não podem fazer o trabalho todo.

 
 
 

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