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|pilares - # A Existência Suave


Vivo com o tipo de pessoa que tira a roupa do armário na véspera, não por uma questão de planeamento mas porque não quer incomodar os vizinhos com o barulho que isso provocaria de madrugada: “Coitadinhos, estão a dormir.” Apelidada desde pequenina de “dinossauro” pela minha maneira de simplesmente descer as escadas, sempre tive dificuldade em entender esse grau de consciência. Esse nível de empatia que vai para além de pensar que a pessoa que está à nossa frente no autocarro precisa mais do nosso lugar do que nós. Uma responsabilidade cívica nos gestos mais simples para com um “outro” que nem temos a certeza se vai ser afetado ou não. A preocupação com a delicadeza por princípio.

Porque é que comecei a pensar nisso agora? Primeiro, por razões egoístas, ao procurar novas formas de sobreviver num ambiente laboral que ultimamente pode ser eufemisticamente descrito como “complicado”. E depois porque, extrapolando as vivências do dia a dia para os grandes cenários do mundo, ficamos com o óbvio: o que aconteceria se andássemos todos pela vida tentando incomodar-nos uns aos outros o menos possível?


The Errand Friend

Muito antes da pandemia sequer ter começado, li uma espécie de ensaio-homenagem aos amigos com quem fazemos recados. “Errand Friend” - que soa bastante melhor - era a expressão utilizada e fazia referência às pessoas que arrastamos connosco para ir ao supermercado, levantar uma encomenda, tomar um café entre o dia de enfermaria e a noite de serviço de urgência (pronto, este é autobiográfico). Achei bonito, mas não lhe dei grande valor na altura. Claro. Estava com os meus dia sim, dia também.


Desde que nos tornámos pessoas que trabalham, pagam contas e são passíveis - sei lá - de transmitir uma infeção respiratória que pode ser altamente incapacitante - a reunião mensal assumiu para mim a importância e solenidade de uma cerimónia religiosa. Mas não menos importantes são os momentos intermédios. Os “o que é que estás a fazer?”. As fotografias trocadas dos copos de plástico do café que bebemos nas máquinas dos nossos hospitais e escritórios. Como se os bebêssemos juntos. Até à próxima oportunidade brindar em pessoa.



Por aqui é tudo. Por email, seguem quinzenalmente mais histórias para pensar, fotografias bonitas e pedacinhos de vida em geral.


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