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Quebra-Nozes | 11# Desokupa



Devo ser o único ser humano a experienciar isto, dada a situação que vivemos mas a verdade é que há uns dias que estou mais calma. Anormalmente calma, no contexto do meu estado de alerta permanente. E tenho de admitir que até é uma sensação agradável. Estranha, mas agradável.


A culpa é da vacina. Eu sei que parece ridículo extrapolar dali um vislumbre de solução para a hecatombe que atravessamos sobretudo com as duvidosas capacidades de planeamento e a escassa robustez logística dos órgãos que vão manobrar a coisa, mas a ideia de que haverá, a breve trecho, franjas importantes da população imunizadas para a COVID19 faz-me finalmente sentir que começamos a empurrar o camião cisterna que capotou na nossa autoestrada para fora dali.


E isso permite-nos alguns benefícios. Trazer para o corpo da realidade todas aquelas banalidades que ignorávamos e que agora nos provocam saudades. Alargar o prazo dos nossos sonhos. Já tinha sentido um cheirinho dessa liberdade quando escolhi a especialidade. Para alguém que vai planeando obsessivamente a vida inteira não ter definido nem o poiso nem o objetivo de trabalho para os próximos 5 anos era uma coisa por demais ansiogénica. A minha lista de “talvezes” abriu-se em leque durante as últimas semanas para desaguar num esboço de linha reta, eternamente destinada a curvar-se à medida que o percorro.


É um exercício que faço muitas vezes na minha cabeça e uma por ano no caderno. Mais do que fazer listas de destinos, de projetos e de objetivos (eu faço listas de mais ou menos tudo), são as opções e os caminhos que apago que me fazem sentir melhor. O espaço que liberto dentro da cabeça. Há qualquer coisa de mágico e reconfortante quando uma das muitas linhas que escrevemos se torna o nosso plano A. Quando pegamos nela como quem encontra, num mar de espelhos mais ou menos imprecisos, aquele que se parece mais connosco. Melhor ainda quando esquecemos todos os outros planos e deixamos ecoar dentro de nós aquela voz que em mim surge tão poucas vezes e que diz, de mansinho, mas com a segurança de uma bola de demolição: vai por ali. Estou a ir.

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