Ó meu rico Santo António
- thenutsbook
- 5 de jul. de 2020
- 2 min de leitura

Há umas semanas atrás, fez um ano que o coração do meu melhor amigo se partiu. Lembrámo-nos ambos, logo pela manhã e é fácil perceber porquê. Era dia de Santo António e na altura em que atendi a chamada e fiz o papel de CODU (Centro de Orientação de Doentes Urgentes) estava num daquelas ruelas com inclinação de 45 graus e ar atmosférico com 21% de oxigénio e 79% de sardinha.
Foi mau. Destrutivo quase, até para mim que já tinha o meu próprio miocárdio estendido no tapete em KO técnico há uns bons meses. Um novo vislumbre daquilo de que a condição humana é capaz, no pior dos sentidos. Partir o coração de um lisboeta no dia de Santo António devia dar multa.
Nem eu nem ele dormimos muito nessa noite. Uma das muitas, incontáveis nos seis anos de vida bem compartilhados que levamos, que passamos em claro porque alguém nos tirou o sono.
Não no sentido agradável da coisa. No sentido de ficar a dar voltas na cama qual centrifugadora. De ficar a ver os minutos correr no telemóvel, à espera da mensagem que nunca chegou. De ir "dormir" antes do jogo acabar e acordar no dia seguinte para descobrir que empatámos. Empatamos sempre quando o telemóvel passa a noite sem tocar. Às vezes acontece o oposto. Antes que o árbitro apite e me mostre um amarelo, já estou fora de casa para só voltar de manhã, depois de ter passado 8h em qualquer cubículo escuro que passe música alta o suficiente para eu não ouvir o que se passa cá dentro.
O unicórnio que inspirou a história de hoje também aprecia esta estratégia. É muito parecido comigo, a criatura. Rodeou-se de mulheres que são edifícios, arranha-céus de 30 andares… mas fez dos homens as estradas. E se eu fui umas quantas vezes ao tapete, raras vezes ele terá saído de lá. Mas vai continuando, sabe Deus como. E é isso que celebramos hoje, assinalando a efeméride por mensagens, como é legítimo nos tempos em que vivemos e desfrutando da nossa atual condição cardíaca, em posição anatomicamente neura. Relativamente. Tão neutra quanto possível em pessoas como nós, que têm medo da chuva mas odeiam guarda-chuvas.
Voltarei, claro que sim, a ficar apeada à beira da estrada, com os pneus furados, perdida no trânsito ou sem GPS. Mas haverá sempre quem me reboque, me limpe a lama das jantes e me substitua a bateria para eu poder voltar a correr. E a ti também, companheiro. Palavra de Pi
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